José Roberto Sarsano

 

Professor & Coach, é Administrador de formação e Músico e Educador por vocação, 

com vivências memoráveis, apaixonado pela Educação.

 

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Ensaios

Quem tem medo de Elis Regina? 

Quando um famoso produtor musical na década de 60 produziu um show com o provocativo nome "Quem tem medo de Elis Regina?", que já era referencia nessa época, ele jamais poderia imaginar o espaço que Elis viria a ocupar na mídia, e nas mentes e corações de centenas de milhares de pessoas. Menos ainda, que depois de morta, este espaço continuaria se ampliando indefinidamente. Elis jamais foi uma mera intérprete. A forma como exteriorizava o seu universo interior colocando suas posições sobre a vida e temas político-sociais, apenas fazendo o que mais gostava de fazer na vida, que era cantar, conquistava as mentes das pessoas pela via do coração, da emoção, da honestidade, do desprendimento, da generosidade, da franqueza, da determinação.

Bem ao estilo das pessoas de personalidade forte, que têm opinião, e falam o que pensam, obviamente não agradava a todos. Cantando os compositores que revelava, cutucou a ditadura o mais que pôde, e não se cansava de denunciar as patologias sociais e alertar os jovens sobre as armadilhas da vida, incentivando-os a fazer o bem. Sem dúvida, aqueles cujos egos e interesses eram contrariados pela "voz" de Elis, a "temiam".

O Brasil perdeu Elis há 33 anos. Mas nem parece. Basta ligar a televisão ou o rádio, entrar na loja de discos mais próxima, ler os jornais, entrar na internet. Ela esta em todos os lugares. E ainda há quem não entenda (e não se conforme) como ela consegue agradar tanta gente diferente (particularmente os mais jovens) tanto tempo depois de morta. Na verdade, Elis é referencia ainda não superada na MPB! E a cada ano que passa adultos e jovens sensíveis, idealistas e que buscam construir um mundo melhor, ao conhecer seu legado, vêem nela e no mito em que ela se transformou um modelo, uma referência de vida.

Esta pelo menos tem sido a minha experiência ao observar as comunidades de fãs de Elis e relacionar-me com seus participantes, particularmente os mais jovens. Isto me surpreendeu pela importância intrínseca do fato e ao mesmo tempo me fez sentir um imenso orgulho dela. Um respeito muito grande pela sua obra e vida! E foi inspirado em Elis e nos seus jovens fãs que desenvolvi o Projeto Boulevard des Capucines. Uma homenagem a este inesquecível ser humano, artista e cidadã.

Projeto cultural e social para adolescentes e adultos, baseado na minha experiência de vida e inspirado em Elis Regina, mostra como a música e o estudo da biografia humana podem estimular reflexões e mudanças nas vidas das pessoas, e colaborar para o desenvolvimento de seres humanos mais produtivos e realizados. Lidar positivamente com as mudanças na vida é o foco do projeto. A música é o fator sensibilizador! Através da sensibilização e percepção que a música proporciona, criamos imagens e sentimentos, que são as matérias elementares com as quais concebemos o mundo e construímos nosso comportamento diante dele. A educação é o fator mediador, levando informação e experiência de vida. Esta é a premissa do projeto
!



Elis Regina, os jovens, e a escolha de referências


O evento de lançamento do Projeto Boulevard des Capucines, foi realizado na Livraria Sobrado em São Paulo em 18/05/07, e reuniu uma platéia bastante diversificada, composta por executivos, intelectuais, professores universitários, músicos, amigos, parentes, fãs de Elis Regina, e adolescentes. Com o objetivo de melhorar o meu trabalho, ao final pedi aos participantes que emitissem o seu conceito sobre o projeto.

Especialmente, pedi a um amigo meu de toda uma vida que fizesse o papel de "advogado do diabo" sobre o projeto. Advogado brilhante, muito culto, meu amigo é extremamente crítico, e por ser amigo de muitos anos, não tem "papas na língua" e é bastante duro nas suas avaliações. Achei que seria produtivo ter o meu trabalho criticado por ele, particularmente por estar "oficializando" o fato de Elis Regina ser referencia de vida para muitas pessoas, em especial adolescentes!

Meu amigo, então, começou o seu questionamento. Olha só Zé - disse ele em tom desafiador - o projeto é muito bom e você é cheio de boas intenções. Mas pensa bem! Em épocas tão confusas como a nossa, será que a Elis é uma referencia para os jovens?


Porque, por exemplo, os mandamentos mosaicos (as tábuas da lei de Moisés: não matarás, não roubarás etc.) são referências antigas que atravessaram o tempo e foram absorvidas por muitas das principais religiões. Baseado na história de Moisés - continuou ele - há quem possa deduzir que sem uma âncora moral e social, fatalmente a sociedade será atraída pela adoração festiva dos "bezerros de ouro" que se sucedem ao longo da história. Ou seja, Elis Regina como "bezerro de ouro" e todos os seus fãs e admiradores (já que para esses parece que Elis Regina é tão única, que tudo teria começado a partir dela...) a "adorando festivamente" (25 anos depois de morta...) como um caso de "histeria coletiva" digno de um psicanalista como Freud.

Fiquei surpreso com o conteúdo intelectual do questionamento do meu amigo, mas, mais que isso, com a sua "criatividade" em fazer uma comparação entre a história de Moisés, de âmbito absolutamente religioso (divino), com a obra de Elis Regina, para invalidá-la como referência (assim como outras almas iluminadas que passaram por este planeta). Além do mais, colocou a mim e às centenas de milhares de admiradores de Elis em uma posição ridícula, tanto moral como intelectual. Fiquei tão surpreso que não sabia se dava risadas ou respondia seriamente o seu questionamento. Decidi responder seriamente, afinal, ele tinha sido colocado por mim nesta posição de "cabeça pensante" justamente para me criticar.


Bom - argumentei eu - antes de mais nada penso que o ponto que você levantou é válido. No entanto, penso também, que este é fundamentalmente um assunto do âmbito religioso, e, portanto, os líderes religiosos como, por exemplo, o papa Bento XVI, é que são preparados e levam essa mensagem aos jovens. Além do mais, não uso no projeto Boulevard des Capucines dogmas ou preceitos religiosos como referências. Trato o tema da espiritualidade fora do âmbito das religiões. O que pretendo com o projeto se soma à formação tradicional das pessoas.

A crônica baixa auto-estima do brasileiro requer uma referência brasileira ao alcance dos brasileiros comuns! Como sou músico, e a música foi fundamental para a minha formação como ser humano, é natural que eu acredite que através dela os jovens poderão ser positivamente influenciados, na busca de referenciais e formas de lidar positivamente com mudanças. Penso que os tempos atuais não comportam "mandamentos", mas sim uma influência que toque o coração e a alma das pessoas, que as inspire, que as façam refletir e mudar, e não que as "comande" através da idéia de um Deus que castiga, como era no tempo de Moisés. E, estou seguro que a minha escolha foi acertada. Por exemplo, veja só este trecho de um depoimento de uma pessoa que participou da palestra de lançamento do projeto:

"... Já li alguns livros de auto-ajuda, e lá sempre tem exemplos de empresários americanos. Acho que estão muito distantes de nós e não consigo estabelecer uma ligação de identidade com os seus exemplos, apesar de reconhecer o valor. Você foi extremamente feliz na escolha do tema e na brasilidade das referências. A escolha de Elis Regina, para nos fazer compreender essa essência da brasilidade foi perfeita. Ela retrata a autoconfiança de ser ela mesma, assumida, sem auréolas de santo, brasileira, portanto acessível a nós. Saí da sua palestra com um sentimento de orgulho, e percebendo que existe uma identidade brasileira forte, capaz e querida no mundo. E é óbvio, gostando ainda mais da Elis Regina. Uma mente muito enlatada (risos...) talvez reaja com preconceito. Minha humilde sugestão é que você não se desanime em descobrir como tocar essas mentes também..."


Então, meu amigo, dizer que Moisés e a tábua dos mandamentos vieram séculos antes de Elis Regina e que ela não esta no "nível" da divindade e sim de "bezerro de ouro", parece não fazer muito sentido nos tempos atuais. O que realmente importa, é que além do seu talento inigualável, ela sempre quis o bem desinteressadamente, e o seu legado é a maior prova disso.

Ruim mesmo são os "bezerros de ouro" que tem interesses econômicos e políticos ou simplesmente são irresponsáveis e querem a fama (estes sim se encaixam perfeitamente neste conceito), e não estão nada preocupados em fazer o bem para a sociedade, ao contrário, usam-na para as suas finalidades interesseiras, sem nenhum compromisso com a verdade. Pior ainda, são aqueles que "seduzidos" pelo carisma destes "bezerros", se voltam para as drogas, votam neles ou os apóiam e os colocam em posição de comando público. Basta ver a situação do nosso país, e, mal comparando, até da região do planeta onde Moisés no Monte Sinai recebeu as tábuas da lei.

Meu amigo sorriu, parecendo estar satisfeito com minhas argumentações. Sorri de volta, mas lhe disse: tem uma coisa sobre referencias, principalmente para jovens, que tenho aprendido, com muito orgulho e responsabilidade, desde que publiquei o livro Boulevard des Capucines, e que acabou se desdobrando no projeto homônimo. Para você ter uma ideia do que isso significa, veja alguns resultados práticos neste site.



Os jovens e suas escolhas de referências

Uma adolescente de 17 anos, sensibilizada pela palestra "Seja o Maestro de sua Própria Vida" realizada em 18/05/07, levou a Escola Estadual Rui Bloem, localizada em São Paulo, a acreditar na força da proposta cultural e educacional do Projeto Boulevard des Capucines. Professores e diretores avaliaram os objetivos do projeto e o conteúdo da palestra, e decidiram elaborar um projeto interno aplicando o conteúdo cultural, social, e as práticas pedagógicas do projeto Boulevard des Capucines.

Os estudantes, além de assistirem a palestra, foram solicitados a emitir seu conceito sobre a mesma, e a realizar trabalhos baseados nas informações e músicas apresentadas. Foram três apresentações para cerca de 500 alunos do terceiro ano do ensino médio, com idades variando entre 17 e 20 anos.

Foi emocionante ver o grupo aplaudir as músicas cantadas por Elis Regina como se ela estivesse ali no palco ao vivo! Ou o silêncio para prestar atenção às mensagens contidas nas músicas, e aos posicionamentos de Elis sobre temas sociais e políticos, enquanto eu fazia as releituras e alinhava as mensagens ao momento presente. Motivo de profunda reflexão ver os jovens em silêncio, ouvindo com atenção e romantismo, Elis Regina e Tom Jobim cantando Corcovado, e pedindo mais ao terminar a canção.


Os resultados preliminares obtidos mostram o acerto da proposta, particularmente pela aceitação dos referenciais biográficos e musicais apresentados, pois este é o público alvo do projeto. Pelo menos 95% dos alunos avaliaram positivamente a palestra, sendo que 85% absorveram adequadamente o conteúdo, e o consideram muito útil como referência para suas vidas. Menos de 15% não gostaram ou não entenderam o conteúdo, avaliando que o mesmo não teria nenhuma influência em suas vidas. No entanto, para 8% dos estudantes, ter assistido a essa palestra foi considerada a melhor coisa que poderia ter lhes acontecido neste momento de suas vidas, influenciando diretamente suas decisões.

De tudo, a lição mais importante: quando os jovens são expostos a referencial de qualidade, a reação da maioria deles demonstra que podemos ter muita esperança em um futuro melhor, que estes mesmos jovens poderão criá-lo! A comprovação desta afirmação aparece nos diversos depoimentos colocados nas devolutivas que foram solicitadas aos alunos. Veja só, meu amigo, alguns depoimentos desses jovens:

"No começo pensei como esta palestra poderia ser tão importante, ao ponto de reunir jovens de uma escola pública, mas com o tempo percebi que era um exemplo de vida de um homem que fez da sua vida um livro, que pode ajudar ou dar esperança de uma vida melhor para adolescentes que estão praticamente iniciando sua vida". Jaqueline.


"Gostei muito, pois, além de já ter trabalhado com Tecnologia da Informação, eu também sou músico e acredito que a música tem grande poder sobre as pessoas e, faz muito sentido usá-la, para falar sobre mudanças, altos e baixos, e decisões de vida. Hoje em dia temos poucos, para não dizer nenhum, artista com a ousadia, originalidade, genialidade, força e sentimento como Elis Regina". Roberto.

"Confesso que não tinha conhecimento a respeito de Elis Regina, porém me encantei com tamanha determinação e franqueza. Elis, de fato, marcou seu território e acabou de ganhar mais uma admiradora". Maria José.

"Com os conselhos dados por José Roberto, agora vou tê-lo como referencia em minha vida, em minhas atitudes, como ele próprio disse, eu que tenho que fazer a orquestra da minha vida. Com o que aprendi hoje, farei o possível para que seja a orquestra mais harmônica e dirigida por uma grande maestrina (eu). E você, José Roberto, pode ter certeza que fará parte da platéia, para me aplaudir e principalmente ficar muito orgulhoso de si próprio, pois quando isso acontecer, será pelo exemplo de pessoas como você, que tive a oportunidade de conhecer". Natália.

Então meu caro amigo, para meu orgulho, por ter decidido seguir minha vocação - e você bem sabe que foi uma grande mudança já no outono de minha vida - ao levar a obra de Elis Regina como referência e minha experiência de vida, tornei-me também uma referência para os jovens. Isto é motivo de grande realização pessoal. Agora eles têm novas referências e opções para lidar com as mudanças e decisões de vida que terão de tomar, baseados em referenciais construtivos.


Meu amigo sorriu novamente, levantou-se e me deu um abraço dizendo com muita convicção: vá em frente Zé! O seu projeto será muito útil para as pessoas, principalmente para os jovens! Você é dessas poucas pessoas que saem do "discurso" e passam realmente para a prática, fazendo algo de útil pela sociedade. Fiquei emocionado com a reação dele, particularmente por ser uma pessoa de muitas críticas e poucos elogios. Agradeço muito ao meu amigo e a todos que criticaram meu trabalho de forma construtiva, ajudando-me a melhorá-lo.

Para terminar, gostaria de dedicar este ensaio aos alunos, professores e diretores da Escola Estadual Rui Bloem! Muito obrigado por acreditarem no projeto Boulevard des Capucines. Especialmente, o dedico à Joice que com sua sensibilidade e entusiasmo levou o projeto para a avaliação dos seus professores, e, a Natália, que me escolheu como referência! Vocês me deram esta imensa satisfação e responsabilidade.

Natália, pode estar certa de que transbordando de orgulho e felicidade vou estar na primeira fila lhe aplaudindo, pela vida produtiva e realizada, que você já esta construindo! Muito obrigado! Que Deus abençoe vocês.